PERGUNTAS FREQUENTES
Qual é o objetivo de divulgar estas informações?
Por que fazem parte da memória da Casa Nuvem e por que é uma maneira de lembrar que ainda hoje (agosto 2020) os ex-locatários e ex-fiadores da Casa continuam reféns de Indianara Siqueira e querem se liberar. Quatro anos após o golpe, e mais um ano depois do despejo, ainda carregam a responsabilidade da dívida criada no nome deles, hoje estimada em aprox. 185.000 reais. Toda a info sobre a dívida aquí.
“Pelo que eu soube, a Indianare (…) assumiu as dívidas judicialmente, é isso?”
Não. Segundo o advogado que leva o caso, “ocorreu foi a inclusão da Indianara no polo passivo da ação, agora ela é parte no processo, sem a exclusão dos membros da Casa Nuvem que figuravam como locatários e fiadores do contrato. Todos continuam responsáveis pela dívida.”
“Como foi possível a apropriação na marra de um espaço de arte e ativismo político que acolheu tantas pessoas e projetos?”
O bulllying começou em novembro de 2015, os primeiros post públicos difamatórios em dezembro de 2015, o lançamento da campanha de boicote "Sangue nas Nuvens" foi no 7 de fevereiro e a declaração de invasão ocorreu no 28 de fevereiro de 2016. Nessa época, ainda não éramos tão cientes da eficácia das fakes news, não entendiamos direito as armadilhas da cultura do cancelamento e nem as consequências do adesismo acrítico que o seguimento online fomenta. Muitas pessoas renunciaram docilmente ao exame racional dos fatos e aceitaram a enxurrada de uns ataques difamatórios que tinham o mesmo nível de violência e de tosquice argumentativa que hoje vemos no bolsonarismo mais radical. A difamação funcionou de maneira assustadoramente eficaz e as centenas de pessoas que usavam a Nuvem como seu espaço de trabalho, militância, formação e lazer se afastaram para não se “contaminar”. Houve inclusive pessoas muito próximas que tentaram fazer pressão, de maneira mais ou menos explícita, para que as pessoas que tinham seus nomes atrelados ao contrato da casa ficaram em silêncio para não “difamar” com a denúncia do que realmente estava acontecendo.
“Indianare diz que houve transfobia no espaço e que, por conta disso, teria motivado a ocupação e a criação da Casa Nem?”
É muito infantil cogitar a possibilidade de que uma casa de resistência política e cultural que era frequentada pela militância LGBTI do Rio e gerida por uma assembleia de umas 30 pessoas que, em grande parte, eram LGBTI, foi invadida porque “houve transfobia”. A transfobia foi usada como desculpa para ativar um dispositivo de extorsão que tinha como objetivo a apropriação do espaço. A transfobia é estrutural na sociedade e, por tanto, existe no ar que a gente respira, mas, a Casa Nuvem não era nem mais nem menos transfóbica que qualquer outro espaço LGTBI do Brasil. A Casa Nuvem era um espaço de construção coletiva onde a nossa responsabilidade como ativistas não era apontar, julgar, condenar e castigar possíveis desvios e sim fazer pedagogia política.
“Sabemos que os Nuvens foram postos pra correr de lá depois do descaso transfóbico a uma pessoa trans em suas festas. Papo de agressão física, teve sangue no chão e os Nuvens optaram por seguir o baile (...)”.
A “agressão física” foi cometida por uma mulher trans e o “sangue no chão” foi consequência da auto-lesão desta mesma mulher. Mas esses fatos foram convenientemente ocultados. Uma briga no primeiro dia de Carnaval de 2016 entre duas mulheres trans frequentadoras da casa e um homem desconhecido foi usada por Indianara como desculpa para, no dia seguinte, lançar uma campanha de boicote à Casa Nuvem no Facebook que chamaram de “Sangue nas Nuvens” e que incluía vídeos, memes e dezenas de posts que acusavam ao coletivo de toda sorte de opressões que nunca foram explicadas. O simples apontamento foi suficiente para as pessoas acreditarem sem questionar. Graças ao relatório de ética do PSOL, soubemos que a transfobia ocorrida foi um comentário transfóbico do homem a uma das mulheres trans que, como resposta, quebrou uma garrafa de cerveja, cortou-se, e rasgou as costas do homem.
“Se não foi como resposta à transfobia, por que Indianara invadiu a Nuvem?”
A invasão teve um motivo prático: Indianara levava meses buscando um espaço para o projeto NEM, que ao mesmo tempo, lhe serviria para fortalecer sua candidatura para vereadora pelo PSOL. O desejo de se apropriar da Casa Nuvem fica evidente em alguns registros, como nesse zap que ela enviou ao grupo da Nuvem no dia 14 de janeiro, três semanas antes do episódio de transfobia que foi usado como escusa para a invasão.
“(...)me liberem o espaço de vocês: Pessoas cisgêneras nojentas que eu pisarei a fundo. Que os cisgeneres sejam agora escravos de pessoas trans. (...).”
“Por que vocês falam de golpe? Não foram as pessoas da Casa Nuvem que cederam o espaço?”
Não, as pessoas da Casa Nuvem foram coagidas a ceder o espaço. E usamos a palavra “golpe” porque a conquista do território se realizou desde dentro. O golpe engloba uma série de ações ao longo de vários meses que foram feitas com o intuito de fragilizar ao grupo e conquistar seu património material e simbólico e que culminou com a campanha difamatória “Sangue nas Nuvens”. Também falamos de “invasão” que era a palavra que usava Indianara nas suas explicações dos fatos:
“E explicando de novo: as pessoas da Casa nuvem foram expulsos do local por TransVestigeneres que invadiram (não ocupamos ,ocupar é muito cochinha,nos invadimos mesmo) o local retomando um espaço que sempre foi nosso”.
“Por que vocês não chamaram à polícia no momento da invasão?”
Para parar o linchamento nas redes as pessoas da Casa Nuvem nas redes, nos sentimos obrigadas a confiar na palavra de Indianara que, após declarar nas redes ter invadido a Casa falou que assumiria o contrato de aluguel do espaço. Também existia medo de uma possível truculência policial num desalojo das mulheres trans que haviam começado a morar lá e que imaginávamos poderia ser violento o que aumentaria o linchamento nas redes. E, sobretudo, por ter a certeza de que, mesmo recuperando o espaço, Indianara nunca “soltaria o osso”. A guerra pelo espaço continuaria com mais boicotes, escrachos e difamações até inviabilizar completamente o projeto da Casa Nuvem.
"Acha que a expulsão dela (do PSOL) foi feita de maneira justa?"
Existem tantos registros públicos da própria Indianare se orgulhando de haver expulsado as pessoas da Casa Nuvem, que, na nossa opinião, nem precisava de todo um longo processo de uma Comissão de Ética para expulsá-la. A expulsão deveria haver sido imediata no momento no qual se aportaram as provas de que uma pessoa que representava publicamente o partido havia invadido um espaço que a própria militância do PSOL frequentava. Mas é bom que haja constância formal da invasão, das ameaças, da criação da dívida, da instrumentalização da transfobia e do roubo de pertences. O relatório da Comissão de Ética coloca o foco no essencial: as pessoas da Casa Nuvem foram coagidas a entregar seu espaço? Essa coação configura motivo suficiente de expulsão?
“Indianare também diz que houve transfobia no dossiê (no processo de expulsão do PSOL) por associarem sempre a imagem da travesti como violenta, marginal. (…) Há alguma autocrítica nesse sentido?
Quando Indianare se orgulha publicamente em vídeos e em posts de haver invadido e expulsado pessoas do seu espaço e faz ameaças de morte em dezenas de posts públicos é ela que reforça o estereótipo das trans como pessoas violentas. Ver aqui. Para pessoas com trajetórias de vida forjadas na necessidade de sobrevivência num ambiente hostil, a violência pode ser uma ferramenta legítima, mas Indianare, neste caso, não usa a violência como ferramenta de autodefesa e sim para conseguir objetivos pessoais sendo seus alvos as companheiras de casa e de partido, e não agentes do “cistema”.
“A invasão foi uma ação de Indianara Siqueira ou de um movimento coletivo?”
Achamos que as duas coisas. Foi uma ação de Indianara que contou com a cumplicidade de muitas pessoas trans e cis que justificaram a invasão como um ato de empoderamento do coletivo trans “exercendo seu direito de conquistar território”. Essas pessoas são co-responsáveis da dívida pois incentivaram, justificaram e apoiaram a manutenção da invasão no tempo, sabendo que estava sendo criada uma dívida no nome de outras pessoas. Sem o movimento de cancelamento coletivo, as pessoas da Casa Nuvem não teriam entregado seu espaço. Houve uma ação coletiva de desumanização. Os direitos básicos de capacidade de decisão sobre o futuro do seu espaço, trabalho e vidas das pessoas da Casa Nuvem foram suprimidos. Se exigiu aceitação do “castigo” e se retirou o direito de resposta à agressão. Para o bolsonarismo de esquerda direitos humanos são só para sua própria versão de humanos direitos, ou seja aqueles que não são cancelados, com ou sem razão, pelo tribunal das redes.
Por que vocês demoraram em denunciar publicamente as agressões?
A primeira vez que fizemos uma denúncia consistente e coerente como grupo nas redes foi no 15 de setembro de 2016 (com o #liberanuvem) como o objetivo de fazer pressão para sermos liberados do contrato de aluguel da casa da qual fomos expulsos. Demoramos por que, no início, achou-se que manter silêncio facilitaria o traspasso do contrato de aluguel a Indianara, que era o principal objetivo do grupo. Também demoramos por medo. Ainda hoje, pessoas que gostariam de se manifestar ficam caladas para poderem habitar com tranquilidade os espaços físicos, festivos, acadêmicos que compartilham com quem acham que são seus pares.
Por que Indianara não buscou – ou invadiu – um outro espaço?
Por que tinha desenvolvido um forte apego à Casa Nuvem da qual havia sido sócia durante quase dois anos. Porque esse espaço tinha uma boa infraestrutura física e potência simbólica. Porque tinha um bar que servia para sua sustentabilidade. E, sobretudo, porque percebeu que podia. Percebeu que existia uma oportunidade de ficar com a casa, que teria apoio e que as pessoas da Casa Nuvem aturariam a agressão em silêncio para não serem expostas publicamente como transfóbicas e não chamariam a polícia.
Qual é a perda que temos desse espaço?
Perdemos um espaço de encontro, de politização e de afetivismo importante. Perdemos a oportunidade de haver tido uma Casa Nuvem e uma Casa Nem agindo e se retroalimentando numa cidade com um histórico de carência de espaços autónomos.
Vocês acham que houve má fé?
Quando a gente admira a uma pessoa a tendência é se apegar às ideias sem querer enxergar de frente os fatos, a teatralidade, e uns argumentos que indicavam perversidade. Foi difícil aceitar a má fé da nossa companheira e denunciar. Mas é justo também ter em conta que o comportamento fascistóide de se achar no direito de apontar, escrachar, boicotar, julgar, e condenar a dezenas de pessoas com a expulsão de seu espaço e a destruição dos seus projetos, se insere dentro de um campo de pensamento específico, de um tipo de bolsonarismo de esquerda seduzido pela retórica da violência que enxergou a “conquista” com enorme complacência e que achou que os fins justificavam os meios.
“É importante liberar às pessoas da Casa Nuvem da dívida, mas também é importante saber que a Indianara Siqueira como travesti e puta, tem mais dificuldade pra fazer isso do que a maior parte das pessoas, que contam com privilégios. (...)”
Quando a Nuvem encontrou a casa, não tínhamos condições de alugar sozinhos, então nós articulamos com outras pessoas e projetos a fim de alcançar o objetivo. Com tanta gente apoiando a Casa Nem por que não houve articulação para resolver o problema? Nunca em 4 anos tivemos acesso à documentação que provasse qualquer tipo de tentativa de articulação realizada com o objetivo de assumir a responsabilidade pelo espaço roubado. Além do mais, Indianara não fez a invasão sozinha. Muitas pessoas que facilitaram, encorajaram e fizeram possível a manutenção da invasão e, por tanto, a criação de dívida no nome de outros, são profissionais bem pagos e donos de apartamentos nas zonas mais nobres do Rio.
“Há pontos positivos em Indianare e no ativismo que ela faz?”
Achamos que deveria sempre ser possível discordar de alguém e criticar duramente seus atos e práticas políticas sem necessariamente invalidar seus demais feitos. Os feitos de Indianara são muitos. As pessoas da casaNuvem conhecemos os dois lados de Indianare Siqueira, e essa é uma das razões que complicaram a nossa exposição dos fatos, pois falar significava expor publicamente o lado desonesto de uma pessoa que foi a nossa parceira durante um ano e meio até o momento do golpe.
“Pretendem continuar levando o dossiê contra Indianare caso ela entre em outros partidos ou faça parte de outros projetos?”(…) “Vocês acham que é possível uma trégua entre vocês?”
As pessoas da Casa Nuvem entregaram seu espaço para evitar entrar na guerra pelo território iniciada por Indianara e ainda foram obrigados a assumir a responsabilidade legal da casa da que foram expulsos. Gostaríamos de sermos liberados de esta guerra sim e para isso Indianara e apoiadoras precisam assumir a dívida que criaram. Mas o conflito Casa Nuvem Casa Nem, também simboliza a fricção constante entre duas maneiras de fazer política: a política dos afetivismos que existia na Casa Nuvem e a velha política da militância de gangue que relativiza a violência da (auto)destruição, confundindo radicalidade com agressividade. Não deveria haver trégua contra a retórica da violência acrítica. Não deveria haver trégua com a desonestidade. O mundo precisa de imaginação radical e uma política de construção e não de auto(destruição).
A ocupação da Casa Nuvem levou a criação da Casa Nem. O que vocês achavam da Casa Nem?
Achávamos que deveria ter sido criada num outro espaço vazio. Os espaços de construção coletiva são espaços de fortalecimento do tecido social e, para as pessoas que nos colocamos na esquerda do espectro político, esses espaços são sagrados, não se destroem, e sim se multiplicam. Isto posto, as pessoas trans, assim como outras parcelas da população em risco, precisam de espaços de acolhida, de proteção e fortalecimento.
“Por que decidiu ir atrás só anos depois por meio de um dossiê enviado ao PSOL?”
A denúncia perante o Comitê de Ética do PSOL foi realizada em novembro de 2016, ou seja, oito meses depois da invasão, para fazer pressão para que Indianara assumisse o contrato de aluguel e nos liberasse da responsabilidade legal de um espaço que estava sendo usado pelo partido através de quem se apresentava publicamente como sua vereadora suplente.
“Não cabe a uma instância partidária pautar os movimentos sociais (...) Era como se o PSOL Carioca chegasse pro MTST e sugerisse que entregassem suas ocupações urbanas pros proprietários, na melhor boa vontade legalista de sempre.”
O MST ocuparia um Ponto de Cultura Viva e lugar de encontro da galera LGBT do Rio, dos Pontos de cultura da rede estadual, do GTs Pesquisa Viva, encontros do Foro de Dança, encontros do grupo de Poliamor, dos cicloativistas, midiativistas, etc.? Um partido que se preza na sua defesa da ética pode ignorar as práticas criminosas de uma pessoa que se apresenta publicamente como sua vereadora suplente?